Ensino de português em Timor
O Governo português pretende alterar por completo o ensino do português em Timor. Foi aberto um concurso "fantasma", com critérios no mínimo duvidosos e insólitos. Desde há dois anos existem em Timor cerca de 150 professores de português. No início, e infelizmente ainda hoje, os alunos timorenses têm sérias dificuldades de comunicação com estes professores, precisamente porque o conhecimento da língua portuguesa ainda não o permite. No início, a comunicação era feita por gestos, sons e desenhos. O que ajuda a ultrapassar essas dificuldades é o facto de os professores portugueses terem entretanto aprendido tétum, o que ajuda bastante essa comunicação.
(...) Estes professores tiveram a coragem de, com um profundo desconhecimento do que os esperava, enfrentar uma situação de, temos de admitir, é perigosa, abdicando muitos deles do conforto do seu lar, família, etc.
(...) O concurso actual prevê contratos de três meses, durante os quais há um máximo de 15 dias de baixa e viagens incluídas. Não é dada prioridade a quem domine o tétum. O que quer isto dizer? Que vai haver um rodopio de professores protugueses entre Timor e Portugal, muitos deles permanecendo apenas três meses e regressando depois para o conforto do nosso país, porque, entretanto, foram abertas vagas nesta e naquela escola. E porque se calhar três mesitos garantem o tempo de serviço mínimo para uma posterior colocação. O que pode um professor fazer em três meses num local como Suai, Liquiçá, em plena selva (...)?
David Antunes
Diário de Notícias de 11.07.02, secção "Meu Caro DN" (cartas ao director)
O texto acima foi aqui transcrito exactamente como publicado no DN; as partes truncadas são, por conseguinte, da responsabilidade daquele jornal.
Correndo o risco de, por via desses cortes, estar a cometer alguma injustiça, gostaria de deixar aqui alguns comentários a propósito, até porque eu próprio fui professor durante (menos de) três meses, em Timor. E, concretamente, em Liquiçá; o que sugere o primeiro comentário: Liquiçá "em plena selva"? Bem, salvas as devidas distâncias e diferenças, Liquiçá está para Díli como Cascais para Lisboa: tem a melhor estrada do território (a "marginal" lá do sítio), fica perto da Capital (cerca de 37 km), é "capital de distrito", tem praias paradisíacas, fica perto de Maubara, de Bazartete, de Bogoró, etc., e é, em termos timorenses, do mais "inteiro" que se pode encontrar. Enfim, Liquiçá deve ser o melhor sítio que existe em Timor, para um Professor: a casa, com todos os defeitos que tem, está completamente equipada, o quartel da tropa portuguesa fica a 2 km, e até um restaurante existe. Só vantagens.
Mas enfim, isso até será um detalhe.
O que não entendi, de todo, nesta carta, é o "problema" dos três meses. Ou melhor, qual é o problema? Duvido que seja essa a intenção do Ministério mas, se ao fim de dois anos lectivos "infelizmente ainda hoje, os alunos timorenses têm sérias dificuldades de comunicação" (em Português), a responsabilidade é de quem? Os Professores que lá estão, alguns há dois anos, e mais os que lá estiveram antes, não têm nada a ver com o assunto? Não era suposto, em mais de dois anos, os alunos terem aprendido o suficiente para, ao menos, comunicarem com os professores?
E será o conhecimento de Tétum uma vantagem pedagógica para quem pretende ensinar Português? Confesso que eu próprio caí algumas vezes na tentação de, em absoluto desespero de causa, utilizar o Tétum com os meus alunos; de Setembro a Dezembro de 2000, e nomeadamente em questões disciplinares ou de metodologia, essa utilização esporádica ainda era minimamente justificada; mas hoje? E porquê "infelizmente ainda hoje"? Foi por alguma inevitável fatalidade que isto aconteceu?
Haverá com certeza responsabilidades (e culpa) a distribuir, e não apenas pelos Professores que lá estão agora. Mas, se a intenção é alterar o
status quo, se realmente o Ministério pretende mudar alguma coisa, isso é mau?
Claro que deveria ser dada prioridade a quem já conhece o terreno, a(s) Língua(s) local (locais), a quem já está aclimatado, ou seja, a quem já lá está. Mas, se isso não resultou (ou afinal resultou?), não é de tentar outra solução?
Três meses talvez seja pouco, mas um ano inteiro é seguramente demasiado.
Quanto ao "profundo desconhecimento" dos Professores que para lá foram aviados, não podia estar mais de acordo. Talvez, também por isso, a solução do "rodopio" não seja nenhuma enormidade; desde que, a todos, fosse facultado esse conhecimento prévio.
Evidentemente, existem muitos outros factores de análise que tornarão o "destacamento" de três meses muito mais eficaz do que a permanência de um ano. Precisamente, à cabeça, o atenuar de "uma situação que, temos de admitir, é perigosa, abdicando muitos deles [Professores] do conforto do seu lar, família, etc."; é obviamente mais fácil essa "abdicação" (abstinência...) quanto mais curto for o "sacrifício".
Talvez, no texto que foi truncado pela Redacção do DN, estivessem referências a questões de transparência, neste processo dos Professores de Português em Timor-Leste.
Esse sim, seria um tema mais sério e aliciante.