De: "Manuel Alonso"
Data: Dom Jan 11, 2004 11:16 am
Assunto: Freira Sem Hábito e Sem Convento
Freira Sem Hábito e Sem Convento
Por A.G./A.M.
Domingo, 11 de Janeiro de 2004
http://jornal.publico.pt/2004/01/11/Sociedade/S10CX01.html
Fundadora de um movimento religioso cujos seguidores, homens e mulheres, não usam hábitos e rejeitam as paredes fechadas dos conventos, Maria de Lourdes Martins da Cruz (Mana Lu para os timorenses) saiu esta semana de Portugal com mais uma preocupação: a dos jovens bolseiros que aqui vivem frustrados e sem apoios.
Mana Lu, 41 anos, terminou a quarta classe em 1975, tinha 11 anos. Viveu na montanha, com a guerrilha e algumas freiras. Foi estudar catequese para a Indonésia. Andou "à bulha" com colegas e madres que não compreendiam a luta dos timorenses. Regressou a Díli cinco anos depois, licenciada com uma tese sobre teologia da libertação, para cuja redacção se correspondeu com o
brasileiro Leonardo Boff.
Apesar da desconfiança dos padres lança-se na prossecução do seu ideal e funda um movimento religioso cujos seguidores vivem no meio do povo "pobre e analfabeto" nas aldeias mais recônditas.
Reconhecido pelo bispo Ximenes Belo, o Instituto Secular Maun-Alin Iha Kristu [Irmãos e Irmãs em Cristo] tem hoje 25 membros - homens e mulheres - que fizeram votos de pobreza, castidade e obediência. Trinta colaboradores, timorenses e estrangeiros (entre eles o historiador José Mattoso), prestam-lhes apoio dando aulas na formação dos candidatos (psicologia, história, nutrição, carpintaria) ou dando consultas nas duas clínicas que o Instituto mantém em Díli.
Para se ser membro do instituto é necessário ter estudos secundários e fazer três anos e meio de formação, alternando semestres de teoria e prática: "A teoria dada não é fora da realidade da pobreza, mas baseada na situação concreta do povo", enfrentando problemas como a malária, a tuberculose, doenças de crianças, ou as mães que não sabem cuidar dos filhos. Disciplinas
de nutrição, psicologia, educação de crianças fazem parte do itinerário, com a ajuda de livros e vários voluntários - timorenses e estrangeiros, entre os quais portugueses, nem todos católicos.
"Uns dão dinheiro, outros passam lá as férias. São carpinteiros, professores, médicos." Se alguém quer ajudar, basta aparecer e "sentir a obra com o coração", ou escrever [Maria de Lourdes M. Cruz - Caixa Postal 106 - Díli - Timor-Leste] ou enviar dinheiro [conta nº 17935410001, do Banco Nacional Ultramarino].
Mana Lu colocou-se sempre do lado da independência mas não hesitou em estabelecer relações com os comandos militares indonésios. Muitos deles, jovens, nada sabiam da história de Timor. Além de que, diz, "as pessoas não são más para toda a vida".
Um dos exemplos dessa atitude aconteceu após o massacre de Liquiçá, em 1999, meses antes do referendo sobre a autodeterminação. Mana Lu estava em Java, viu as imagens na televisão. Regressou a Díli, falou com a esposa do general indonésio e com Eurico Guterres, líder das milícias. "Expliquei-lhes que me sentia chamada para estar junto dos que sofrem e eu queria estar ao lado
deles como uma irmã."
Foi para Liquiçá, onde encontrou o administrador, que conhecia do coro da igreja, mas tinha sido rejeitado pelo povo. "Disse-lhe: 'Irmão, tenho pena, o demónio está a conquistar todo este território. Deus chamou-me a trabalhar pelo povo. Quero organizar um grupo de reflexão com a autoridade civil e militar. Será que é possível?' Ele disse que sim. Eu trouxe a Bíblia, escolhi textos que tinham a ver com a situação e pus as pessoas a pensar naquelas questões."
Depois, foi o administrador que pediu para fazer o mesmo com os cristãos, na igreja. "A primeira semana foi a semana de chorar. Eu não falei muito, disse aos cristãos: 'Deus está triste com o que se passou. Descansem um pouco aqui na igreja, falem do vosso sofrimento com Deus. A nossa vida está nas mãos de Deus, não está nas mãos dos militares. Ter medo é ficar só à espera da
morte. Temos que ter coragem, porque Deus está connosco.' E depois rezámos para que Deus nos desse coragem para regressar à nossa terra."
A forma como as ONG se comportaram em Timor-Leste, após a saída da Indonésia, suscita-lhe violentas críticas. Acha que a mentalidade dos timorenses ficou corrompida pelo dinheiro: "Timor recebeu milhares e milhares e disso não tirou proveito nenhum", acusa.
O seu Instituto não cairá nessa tentação. Por isso não quer meter-se muito "nessa coisa do dinheiro". O dinheiro para subsistir, a comida para se alimentar, chegam-lhe ainda hoje muitas vezes do pai, um agricultor de café. Aos apoiantes, que os há, previne desde logo: não haverá relatórios com fotografias das obras feitas e do auxílio prestado. "O processo educativo é lento, sai do coração."
O Instituto, como notou um dia José Mattoso, não concebe projectos a curto nem a longo prazo, não tem planos pré-determinados nem se apresenta como capaz de resolver os problemas sociais do país. Pretende tão só mobilizar vontades e recursos locais em ordem à resolução dos problemas comuns. Tentando dessa forma dar resposta "a um apelo de misericórdia para com o
imenso sofrimento dos mais desprotegidos e daqueles que se sentem abandonados pelos detentores do poder institucional".
Grupo Ajudar Timor