02-03-2006 8:40:00. Fonte LUSA. Notícia SIR-7785159
Díli, 01 Mar (Lusa) - Os professores portugueses colocados em Timor-Leste não estão preparados para ensinarem a língua portuguesa como idioma estrangeira, como necessitam os timorenses, disse Santana Castilho, consultor do Banco Mundial, à Agência Lusa.
Antigo membro do VIII governo constitucional de Portugal, liderado pelo primeiro-ministro Francisco Pinto Balsemão, Santana Castilho veio a Timor-Leste "ajudar a definir uma política para a concepção, produção e distribuição de manuais escolares" até ao 6º ano de escolaridade.
Mas é a estratégia seguida no apoio à reintrodução da língua portuguesa, um dos tês vectores da política de cooperação de Portugal com Timor-Leste, que merece a Santana Castilho as maiores críticas, em entrevista à Lusa.
"Existe uma fraquíssima preparação dos professores e um fraquíssimo domínio genérico a nível do Português, o que naturalmente cria alguma dificuldade, alguma incoerência com a decisão de ter o Português como língua de instrução", observou.
"O que se verifica, e estou a falar em termos genéricos, é que o domínio do Português é manifestamente insuficiente para transmitir seja que conceito for", acrescentou.
O apoio à reintrodução da língua portuguesa, à capacitação institucional e ao desenvolvimento económico e social, constituem as três áreas chave por que passa a cooperação bilateral, que este ano será de 32,6 milhões de dólares (27 milhões de euros).
Para garantir que o Português, língua oficial de Timor-Leste a par do Tétum, tenha a projecção que as autoridades timorenses desejam, no ano lectivo em curso foram colocados 111 professores portugueses nos 13 distritos timorenses.
A estes há que juntar mais 170 formadores timorenses.
A estratégia iniciada com o final da ocupação indonésia, que passou pela colocação de professores portugueses a leccionar directamente às crianças timorenses não deu resultados positivos e optou-se desde Outubro de 2003 pela formação de professores timorenses.
Santana Castilho reconhece o "grande esforço" da cooperação portuguesa em manter mais de uma centena de docentes portugueses mas considera que se continua a insistir num erro do ponto de vista estratégico.
"Percorri o país todo e visitei muitas escolas e falei com muitas pessoas e encontrei uma generosidade muito grande por parte dos professores portugueses. Vi, genericamente, uma camada de professores muito jovens, pouco experientes, que fazem e dão o seu melhor mas, que de facto, são pessoas com pouca experiência de ensino e sobretudo não estão preparados para o ensino do Português como língua estrangeira, como é o caso aqui em Timor-Leste", frisou.
Para Santana Castilho, a cooperação portuguesa deveria em primeiro lugar garantir, em Portugal, a preparação prévia daqueles docentes.
"Eu penso que para culminar tudo isto, devia-se fazer um esforço, reforçando significativamente o número de professores, mas fazendo antes, em Portugal, um trabalho prévio de preparação para os professores que vêm", defendeu.
"É um erro enorme não prepararem os professores", salientou.
"Do ponto de vista teórico, colocar os recursos a ensinar estes professores a ensinar formadores, a estratégia está correcta.
Mas depois tem-se uma centena de professores e percebe-se que não é possível ter a veleidade de fazer um ensino eficiente da língua, quando se tem 11 mil e tal alunos de Português", sustentou.
Apesar da participação dos 170 professores timorenses, Santana Castilho nota existir um rácio que, "sem mais nenhuma análise, torna impossível que este ensino seja eficiente".
A solução está nas dezenas de milhar de professores no desemprego em Portugal.
"Para mim é claro. Sou absolutamente categórico. É preciso reforçar. Em Portugal temos agora, nesta altura, cerca de 40 mil professores no desemprego. Portanto, se calhar era inteligente fazer um esforço neste sentido, em vez de estar lá a pagar subsídios de desemprego, a pessoas que estão desmotivadas, descontentes com o tipo de vida, mas com a generosidades que eu tenho a certeza absoluta que têm, que se encontrava no seio dos professores, uma politica que apontasse para a afirmação do português neste canto do mundo", vincou.
A afirmação da língua portuguesa em Timor-Leste passa também pela distribuição de manuais escolares.
"O que o Banco Mundial quer fazer, e que o que me pediu para estudar e recomendar, é produzir manuais para cada uma das disciplinas do actual currículo do ensino primário", disse.
A escolha desses manuais vai ser feita a partir de um concurso internacional.
Mas a breve prazo a solução passa pela adopção de livros já existentes no mercado.
"É impossível nos próximos dois anos fazer outra coisa que não seja adaptar livros já existentes no mercado. Mas o caminho - e a minha recomendação vai nesse sentido -, é que se constituam bolsas de autores timorenses e a evolução vai ser no sentido de se terem manuais adaptados dos já existentes e depois, nos anos subsequentes, procurar já ter livros feitos por timorenses", propôs.
Quanto à ideia de que se fala melhor o português no interior de Timor-Leste que em Díli, Santana Castilho confessou não ter tido tempo suficiente para avaliar esses dados, mas reconheceu ser "mais fácil comunicar com gente de uma geração mais idosa".
"Encontrei no interior professores com algum domínio do português, o que permite manter uma conversação, digamos, com léxico muito limitado. Mas também encontrei aqui em Díli. Para mim a questão é que durante o domínio indonésio toda esta juventude, que foi educada pelos indonésios, não tem boas razoes do ponto de vista deles para aprender português.
Isso é óbvio. Não vamos mascarar isso. Precisam de ser estimulados, acarinhados e importa fazer um investimento diferente do que foi feito", sublinhou.
"Não estou aqui a não apreciar o esforço, a generosidade e até do ponto de vista logístico - visitei as casas dos professores português, que têm mais condições do que tenho visto noutros países de língua portuguesa. Aí há um trabalho que é meritório", salientou.
"Mas não me interessa avaliar as pessoas por aquilo que elas fizeram. Pretendo avaliar as pessoas pelo que poderiam fazer. É uma análise
custo/benefício. E penso que o dinheiro que tem sido investido aqui não tem os resultados que poderia ter. A análise do custo/benefício é negativa", reforçou.
Voltando aos manuais, Santana Castilho diz que vai ser necessário produzir centenas de milhar de exemplares.
"Uma vez - passe a expressão - 'inundados` com centenas de milhar de livros, colocados esses livros nas mãos das crianças, aí a decisão é incontornável e não se pode voltar atrás, ou seja ter o Português como língua de instrução. O que me leva a defender que devia haver uma coincidência com o reforço do ensino do Português aqui", reafirmou.
Quanto à utilização em Timor-Leste, nos próximos dois anos, de manuais escolares empregues nos países africanos de língua portuguesa, Santana Castilho considera que essa medida faz todo o sentido.
"Faz todo o sentido e não pode ser de outra maneira nos dois primeiros anos. É impossível ser de outra maneira", reforçou.
EL.
Lusa/Fim